Homem Quieto

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Trago um motivo originado de uma comemoração do mês que atravessamos. Trata-se da mudança de estação do hemisfério norte das Américas. Uma t...

Trago um motivo originado de uma comemoração do mês que atravessamos. Trata-se da mudança de estação do hemisfério norte das Américas. Uma tradição celta apropriada posteriormente pela religião católica e convertida em tema festivo nos países Anglo. Dentre nós, brasileiros, reconhecemos o ensejo como "Dia das Bruxas", as quais não há ligação alguma dentre os festejos.
 
Para mim, o Halloween tem o seu valor. Um bom pretexto para fazer tudo o que já faz parte de meus hábitos do início ao encerrar do ano: assistir filmes de Terror e ouvir Metal Extremo, bem como fazer desenhos temáticos. O lado sombrio permanece, a despeito de quaisquer incentivos sazonais externos. Pertenço a esses costumes, tradicionalmente, desde muito jovem.

Cada vez menos detalhes no esboço.

Também não sou um morcego a todo instante... preciso usar minhas máscaras sociais para lidar com o mundo. Quando em convívio com os que povoam o meu cotidiano, desempenho a minha (falta de) habilidade social perfeitamente. E acredite: quanto mais me esforço em ser sociável, parece que estou fazendo ao contrário.

Sketchbook novo. Nova marca, melhor papel.

Sou um personagem de Halloween na alma, porém sem fantasias para afastar os maus espíritos... mas sim, a rigor, para repelir pessoas. Dada essa oportunidade do ano, permito-me transparecer, neste texto e ilustração, as minhas peculiaridades nada elogiáveis. Essas, talvez só aceitas neste momento e pelos simpatizantes da referida data celebrada.
 
Comentei dia destes, com minha mãe que, ainda com minha personalidade e predileções, as produções artísticas de meu portfólio aparentam alegria e graciosidades. As tentativas de demonstrar um lado sinistro são sempre falhas. Esse traço paradoxal até que me agrada. Muitas vezes a expressão bem-humorada e um timbre menos sombrio pode tornar agradável cada Halloween que passa.

Resultado final. Mexi digitalmente no segundo plano (estava muito intenso).

Talvez, a razão de minha arte seja mesmo a de divertir, alegrar ou (quem sabe) trazer beleza para perto dos olhos e aquecer os corações. Porque sinto bem-estar ao desenhar. Essa atividade faz meus dias correrem com mais entusiasmo. Quando posso parar tudo e pegar um lápis e papel, minha mente se torna limpa. As preocupações se esvaem... qualquer sentimento ruim dá lugar à tranquilidade. Pensando bem, os aspectos alegres fazem bastante sentido. Em última análise, perfeitamente compreensível.

O motivo para este post não poderia ser mais pessoal. Vemos aqui a Vivi em uma prática magística, executando um ritual onde há a alteração d...

O motivo para este post não poderia ser mais pessoal. Vemos aqui a Vivi em uma prática magística, executando um ritual onde há a alteração do mundo ao seu redor e a mudança da realidade através de manipulações místicas de elementos do inconsciente. Estaria a própria Vivi me evocando para a desenhar dentro dessa cena?
 
Meus primeiros contatos com a magia foram pelas mãos de meu saudoso tio Pê, presenteando-me com um exemplar de O Alquimista da autoria de Paulo Coelho. Com essa leitura, fui movido a buscar outro de seus best-sellers: o Diário de um Mago. Dessas duas obras, eu, um jovem de quatorze anos, absorvi os conceitos do que seria a magia com facilidade.

Lápis feito sem muita preocupação em detalhar.

Essa compreensão quase sempre era o assunto entre mim e um amigo da mesma idade, também interessado pelo misticismo. Nossas conversas eram longas e submersas na curiosidade sobre o oculto. Não o vi mais em uma dessas esquinas responsáveis por nos afastar de algumas pessoas. Mas após aquela época meus interesses tiveram guinadas e tomaram outras veredas. Por outro lado, a magia permanecia - ainda que oculta nos detalhes. 

A satisfação do sketchbook.

Voltei-me a ela outra vez em minha segunda internação em uma clínica psiquiátrica, lá nos anos 90. Na rotina da instituição havia a terapia ocupacional, entre o café da manhã e o almoço. Era quando eu me sentia melhor e mais relaxado. Dentre as atividades terapêuticas, eu tentava desenhar, porém alguns medicamentos me impediam por causa da impregnação. Por isso busquei a leitura. Dentre o acervo da clínica, descobri as HQs do Sandman e da coleção Vertigo. Novamente a magia se manifestava. E foi com intensidade.

Já em dois mil e dez, mais estável, embora com acompanhamento profissional e medicado, pude ir morar sozinho pela primeira vez. Diante da liberdade e por ter privacidade a meu favor, resolvi mergulhar na magia como eu sempre desejei. Enriqueci a imaginação com filmes, séries e livros sobre o tema e fui em busca de informações mais verídicas. Acessei as fontes possíveis: podcasts, blogs e livros - todas elas me trouxeram as maravilhas de um caminho rico em imaginação e descobertas.

Resultado final.

Os exercícios se mostraram difíceis, mas obtive resultados muito expressivos. Ainda assim, não fui um praticante persistente, as experiências duraram poucos anos. Isso porque percebi que as práticas, os estágios e as provações como magista me traziam desequilíbrios psíquicos, bem como prejuízos à saúde mental - esta que eu tanto luto para preservar. Não fui forte para perseverar e evoluir. Escolhi então, manter apenas um olhar místico sobre meu cotidiano e contemplar a magia presente no dia a dia. Ser artista já é algo mágico.

  É inevitável refletir ou me autoanalisar quando estou diante algumas artes figurativas. Como em uma consulta às cartas de Tarô ou uma diva...

 É inevitável refletir ou me autoanalisar quando estou diante algumas artes figurativas. Como em uma consulta às cartas de Tarô ou uma divagação alucinógena, sou seduzido pelos signos, as formas e figuras. Entusiasmado, às vezes me ocorre uma releitura pelas minhas mãos - uma resposta ao que me capturou o olhar. Como ocorre neste post com Honeysuckle de Grandville (Jean Ignace Isidore Gérard).

Obra original.

Da adocicada e perfumada arte de Grandville, bebo o cálice avidamente: com o estranho, com o sonho e com a imaginação livre se manifestando para a completa embriaguez. Em particular, no capítulo Honeysuckle, da obra Les Fluers Animées, na qual Grandville é coautor como desenhista. Visto a minha personagem, Cláudia, da História em Quadrinhos Vivi Morbi - de minha autoria -, na pele de Honeysuckle (ou Madressilva), uma onírica e adorável planta antropomorfizada.

Tentei deixar a mão leve, mas acabei querendo mais controle.

Em vez de atrair beija-flores, borboletas e abelhas, a flor delicada e envolvente serve do seu delicioso néctar a uma cabra... Interessou-me imediatamente quando a vi ali, sem motivo algum, senão por uma intromissão pagã em um quadro repleto da mais singela beleza. A presença do poderoso e belo animal cornífero me levou a imaginar perspectivas profanas para cada linha delicada mostrada na peça.

A página do Sketchbook. Ainda estou no início

Como Cartunista - segundo pesquisei -, Grandville trouxe temáticas e estilo únicos à imprensa e à literatura da França no século XIX, recebendo méritos por ter sido influente para o posteriormente batizado "Movimento Surrealista" - já conhecido pela maioria na atualidade. Ainda que contrariado pela censura e recebendo críticas de que a sua arte agradaria apenas às "pessoas superficiais" (segundo o escritor e poeta Baudelaire), Grandville soube lidar com as pedras em seu caminho e continuou.

Entretanto, com a censura, obrigou-se a curvar, mesmo sem amortecer a ousadia de suas criações. O humor e os questionamentos à efemeridade da beleza, às modas de sua época e ao papel da mulher perante a sociedade, permaneceram dando o tom de suas inclinações. Em Les Fluers Animées, sobretudo, envolveu a botânica como alegoria ao seu traço. Em comum comigo está o prazer em retratar graciosas figuras femininas. Já o uso simbólico do reino vegetal não me diz tanto quanto a ele.

Desenho finalizado.

Desenhei rosas, pétalas e arabescos florais algumas vezes... No entanto, para mim as plantas não chegam a ser estímulos imaginários inspiradores, limitando-se à culinária vegetariana e a preocupação que mantenho com a ecologia. Há, sim, pessoas próximas e familiares com interesses pela jardinagem. A atividade para eles não se trata de uma prática científica... acredito, muito mais para os resultados terapêuticos de se lidar com terra, acompanhar as germinações e o desenvolvimento peculiar de cada espécie.
 
Ainda sendo um referencial relativamente distante de minhas produções - pelo o que pude acessar de seus trabalhos -, considero Grandville um poeta do Cartum. Um talento da crítica ao cotidiano com admirável habilidade e competência, que alcançaram também obras literárias relevantes. Grandville contribuiu com títulos como Robinson Crusoé, Don Quixote e As Aventuras de Gulliver... não é à toa que também foi exemplo a outros grandes nomes, dentre eles, até mesmo Walt Disney.

  A inspiração, dessa vez, foi o conto "O Modelo" da obra "Pequenos Pássaros" de Anaïs Nin. A história está dentre um co...

 A inspiração, dessa vez, foi o conto "O Modelo" da obra "Pequenos Pássaros" de Anaïs Nin. A história está dentre um compilado de contos eróticos. E adianto se tratar de um livro adulto, para maiores de dezoito anos... leia meus pareceres neste link. Literatura é um de meus interesses. Prova disso, foram as minhas participações em oficinas para aprender escrita criativa (promovidas pelo CESC). Esses eventos parecem ser criados para trazer desconforto. Realizados aos sábado e domingos, bem cedo, tinham pausa para almoço e continuavam até o final da tarde. Produzíamos redações e éramos avaliados rigorosamente. Em minha primeira experiência, dizia o escritor para todos: "Sejam cruéis uns com os outros" - para se ter uma ideia.

No esboço, o rosto do pintor está diferente. O processo me obrigou a fazer a alteração.
No início da segunda oficina na qual me inscrevi, a ministrante nos questionou sobre o que levaria qualquer um a se empenhar em uma escrita. Diante das respostas, as quais sugeriam "expressar sentimentos" e outros motivos similares, ela nos pôs em dúvidas sobre todas as nossas motivações como escritores. Apresentou-nos as técnicas narrativas mais usadas e desvinculou de nós divagações e devaneios presentes em nossa falta de experiência literária. Até mesmo por trás de uma prosa lírica, recorre-se a fundamentos presentes nas intenções de qualquer autor previamente bem informado.
A lineart foi a parte mais rápida.
O ato emocional não está inserido no momento do redigir. Isso desfiguraria a narração. O propósito se estabelece no que se pretende causar ao leitor. Se um texto provocativo não afrontou ninguém, falhou. Se um drama trouxe risos, idem. Se o objetivo de uma narrativa for o horror e assim não o fizer, fracassou. (Precisamos excluir da conversa os cinéfilos de Horror, pondo uma exceção ao público que tem picos de euforia e de risos diante deste gênero).
Pela primeira vez em muitos anos, usei cores.
A carga emotiva acontece no oposto de onde parte. Ofereço a analogia com a culinária. Ao dizermos que se colocou amor em um preparo, compreendemos um sabor satisfatório. Porém, tal afeto acontece ao degustarmos, não no cozinhar. A(o) chefe da cozinha, calculou, mediu e aplicou estratégias culinárias para o sentimento identificado como "amor" brotar do paladar de quem estiver sendo servido. Deste modo, escrever é método. Conduzir uma narrativa requer técnica e a utilização de "ingredientes" corretos.
A conclusão me agradou. Valeu à pena retirar a aquarela da gaveta.
O interesse pela literatura está em baixa, isso é fato. Há muito tempo as oficinas de escrita criativa não são mais anunciadas em minha cidade e, segundo as informações midiáticas, a leitura de livros não é mais tão frequente. Essa é a informação que tenho colhido no cotidiano. Mas a esperança não está perdida. No último evento de cultura geek onde estive, um garoto bem jovem (oito anos no máximo), acompanhado da mãe, aproximou-se de minha mesa para comprar minha HQ, Prisma Negro. Contou-me de suas aspirações para quando crescer: ser um poeta. Dentre tantos astronautas e jogadores de futebol... um poeta. Testemunhei um acontecimento raro.